Também no Facebook

segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Na Escala Richter

Texto: Fabrício Carpinejar 

O amigo jornalista Daniel Scola foi cobrir os terremotos no Japão.

Dormia no hotel no momento em que ouviu os cabides deslizando de um lado para o outro do armário.
Um tremor repentino, quase como um soco no prédio de vinte andares.

Acordou num sobressalto e discou para a portaria.

— Houve um terremoto? O que faço?

O recepcionista, calmo como todo recepcionista, apenas orientou: — Fique debaixo da flecha!

Scola não questionou o significado da flecha, parecia óbvio pela fala despretensiosa e mansa do funcionário.

— A flecha? Evidente, permanecerei debaixo da flecha.

Ele não quis entregar que desconhecia a flecha, acolheu a informação de imediato. Envergonhava-se de sua ignorância, como quem pergunta se tem água sem gás no frigobar.

Logo que desligou, Scola saiu a procurar a flecha, a maldita flecha, que salvaria sua vida, espécie de cofre do tremor.

Rastreou os corredores, as gavetas, o banheiro, a cabeceira da cama.

Não havia nenhum sinal de índio naquele minúsculo apartamento sob intenso farfalhar e ruído.

Desceria pelas escadas para descobrir, quando visualizou uma seta vermelha atrás da porta.

A flecha apontava onde estava a viga do prédio. É onde deveria resistir, agachado, às oscilações do tumulto. Se o chão cedesse, se o teto desabasse, aquele microscópico território se manteria de pé.

Tudo poderia ruir menos aquele círculo debaixo do sinal. Era sua guarida, seu esconderijo, seu ferrolho, seu santuário, seu guarda-chuva de abalos sísmicos.

A viga!

Da mesma forma, quando o relacionamento recebe um solavanco, uma devastação de palavras e gestos, quando as brigas cansam os ouvidos, quando as ofensas são repetidas, quando a amizade é ferida, quando a lealdade é quebrada, quando a mentira é descoberta, quando uma traição é flagrada, quando o casamento começa a desmoronar, temos que achar a flecha dentro de casa. Correr para a flecha.

Localizar a viga que uniu o casal, a viga que serviu como base daquela construção emocional.

A viga que edificou o amor.

É aquela frase primeira, é aquele beijo ancestral, é aquela lembrança pura que sustenta todos os andares.

Pegue as mãos de sua mulher, abrace com força seus ombros, e se resguarde silenciosamente na viga até o terror passar.

Não corra para as janelas para assistir a destruição.

Retire-se do conflito.

Proteja-se na viga. Sempre. Debaixo da flecha.

quinta-feira, 25 de setembro de 2014

Recupere a autoestima depois do fim de um relacionamento



Fonte: MinhaVida

Há poucas coisas que superam a dor do término da uma relação a dois. Ainda mais quando o ponto final é inevitável após uma traição ou um "eu não te amo mais". Apesar da distância entre a separação e a volta por cima ser longa, é possível encarar o momento com serenidade e espantar a tristeza para voltar a ter uma vida social e amorosa depois do trauma.

A falta de lealdade do parceiro ganha dimensões diferentes em cada situação. "Superar uma traição é muito difícil, mas depende do histórico e da dinâmica da relação e também do significado que representa para cada um. Em alguns casos, ela se torna um elemento de estímulo de uma relação 'morna' e sem grandes impactos. De toda forma, superá-la implica em crédito e desejo de investir em uma relação, buscando compreender o processo e o papel de cada um neste caso", explica doutora em psicologia social Maria Izabel Calil Stamato. 

Momento traumático
Para seguir em frente depois de um rompimento traumático é necessário desenvolver objetivos para se fortalecer e se curtir para estar apto a um novo envolvimento. De acordo Maria Izabel, o tempo para toda essa transformação é definida pela própria pessoa e depende de uma série de fatores que não estabelecem medidas de tempo convencionais. "Um ano, um mês, um dia? Não há prazos estabelecidos para se recuperar de um término de relação", explica a psicóloga.

De acordo com a profissional, o primeiro passo para dar "adeus" à melancolia é investir em si mesmo. "Sem dúvida, ser preterido sempre traz prejuízos à autoestima, pois, após o momento inicial de raiva e de culpabilização do outro, a pessoa tende a atribuir a si mesma a responsabilidade pela perda, dando ênfase aos aspectos negativos de seu comportamento e se sentindo um 'lixo' por não ser capaz de manter um relacionamento", explica.

É possível encarar o fim de um namoro com serenidade e voltar a ter uma vida social e amorosa depois do trauma

As consequências da perda de confiança também se potencializam por conta do universo social que vivemos. "Lembrando que as intensas cobranças e exigências da sociedade para que todos sejam desejáveis e invejáveis, o que significa ter um relacionamento perfeito e feliz, acabam intensificando a negatividade da autoestima e ampliando o sofrimento de quem é abandonado", ressalta a especialista.

Dicas para enfrentar o fim
Assim que o término do namoro ou casamento acontece, seja por traição ou qualquer outro motivo, comece a agir. Segundo Maria Izabel, o ideal é tentar contar o término para parentes ou amigos. Dessa forma você consegue assimilar dentro de você mesmo os lados negativos do relacionamento e sentir a necessidade de mudança.

Mania entre boa parte das pessoas e péssimo para a "reabilitação", voltar a falar com o ou a ex é considerado por alguns especialistas como uma armadilha. Espere, ao menos, dois meses para que seu coração volte aos trilhos. 

Outra saída que se torna valiosa nestes casos é simples: mexa-se. Procure fazer atividades que reúna as pessoas que possuem os mesmos interesses que você. Faça exercícios, o que libera endorfina (que permite trazer bem-estar), e outros programas que multipliquem a alegria. Aproveite e se jogue, inclusive, em atividades que seu ex não gostava de fazer.

Após perceber os primeiros sinais de mudança dentro de si mesmo, note que está na hora de anunciar a novidade e altere alguma coisa no exterior. Mude a ordem dos móveis da casa, corte e pinte o cabelo, use aquele esmalte que você tanto queria e aposte em visuais que ressaltem sua beleza. Cuidar de si mesmo faz um bem incrível, principalmente neste momento.  

Caso em algum momento sinta raiva do que aconteceu grite, extravase com exercícios e canalize essa energia para algo útil, como cuidar da própria casa. "O término de um namoro representa uma perda afetiva e, neste sentido, a pessoa que é preterida vive um processo de luto e de intenso sofrimento. Entretanto, não há fórmulas prontas para superar situações de perda, mas um elemento fundamental sempre é compreender o que esta perda representa na vida da pessoa, seu significado, trabalhar para transformar a situação em um processo de crescimento, que favoreça futuras relações", diz Maria Izabel.

sexta-feira, 19 de setembro de 2014

26 mil acessos

Era para ter sido apenas um desabafo. Não era para se tornar público, nem queria que as pessoas soubessem que eu escrevia os textos.
Mas hoje, junto a vocês, comemoro os 26 mil acessos neste blog!
Obrigada, querid@s leitores!

quarta-feira, 17 de setembro de 2014

Enfim, a pessoa certa



Você cultiva valores e princípios éticos, está relativamente feliz no trabalho e com você mesmo. Então, quer me explicar por que sua vida amorosa nos últimos anos tem sido um desastre? Ou, então, por que, depois de tanto tempo, tudo parece se encaixar milagrosamente na relação atual? Ou, ainda, por que o que antes era bom agora está ficando ruim ou, então, por que o que antes era ruim agora está ficando bom? Dá para responder, medir ou avaliar e, dessa maneira, chegar a uma conclusão que possa servir de orientação para outras pessoas? Existe uma razão, ou várias, para que isso ocorra?

Antes de tentar responder essas perguntas, fica aqui uma sugestão: leia com atenção o que dizem alguns terapeutas a respeito da relação a dois. Eles têm algo muito importante a dizer que talvez você não tenha considerado antes. Com base nesse novo conhecimento, é possível que seu olhar para sua vida amorosa, e as dificuldades que você tem com ela, mude completamente. Experimente ir até o fim, e depois me diga.


Existe o par perfeito?

Se você acha que essa conversa de par perfeito é apenas nome de site de relacionamento, está enganado. Muitos psicólogos sérios apostam nessa equação (bem, há psicólogos sérios que também a renegam, mas isso a gente vai ver depois). Basicamente o que esses experts dizem é que há pares que têm, sim, muito mais predisposição para darem certo. Para afirmar isso sem margem de dúvida, eles se fundamentam em pesquisas feitas durante anos com um número expressivo de pessoas, como a antropóloga americana Helen Fisher, que reuniu 40 mil voluntários para fazer seus estudos. Outros carregam especializações de reconhecimento inegável, como licenciaturas em Harvard, como a psicóloga americana Linda Blair.

Os estudos desses profissionais partem de critérios às vezes estranhos ou inesperados. Por exemplo, a especialista Linda Blair afirma que a ordem de nascimento na família (isto é, o fato de ser o filho ou filha mais velho, do meio ou caçula) influi drasticamente numa relação a dois. Isso mesmo. Para ela, algo que pode passar batido durante uma vida inteira pode ser fator de importância crucial numa parceria amorosa... Mas olhando com cuidado sua proposta, antropologicamente, pelo menos, ela não parece ser descabida. Segundo a pesquisadora, filhos mais velhos tendem a ser mais responsáveis porque neles são depositadas muitas das esperanças da família (que eles procuram corresponder, inclusive). E justamente porque é depositada muita confiança neles, esses homens e mulheres terão a tendência de se tornarem mais confiantes, bem-sucedidos e assertivos, embora sempre carreguem uma incrível necessidade de aprovação. Por outro lado, os irmãos que nascerão a seguir poderão se tornar mais competitivos e, talvez, mais individualistas e independentes. Agora, coloque dois filhos mais velhos juntos numa relação amorosa... Eles poderão começar a competir entre si pelo que deve ou não ser feito em primeiro lugar (escala de prioridades) ou como as coisas devem ser conduzidas (modos de gerenciamento). Essa condição pode ser agravada pelo temperamento de cada um. Se os dois forem impulsivos e agressivos, por exemplo, é plausível esperar por muitos conflitos. Porém, a união pode se tornar proveitosa e rica se ambos tiverem um espírito mais conciliador e forem capazes de aprender um com o outro.

Ainda de acordo com esse estudo, as pressões da família já serão bem menores com relação ao filho (ou filhos) do meio, que tendem a ser mais relaxados, não convencionais e socialmente simpáticos (embora eles tenham a necessidade de chamar a atenção), e são quase nulas com relação ao caçula, que tende a ser mais poupado, mimado e dependente (um pouco como o filho único). Coloque agora dois caçulas juntos como marido e mulher, e será possível assistir a um eterno jogo de empurra-empurra de responsabilidades. Portanto, de acordo com as conclusões de Blair, filhos mais velhos tendem a se dar melhor com caçulas (e vice-versa), pois são complementares nos seus anseios, e filhos do meio terão melhores chances de se dar bem com todos, porque têm mais abertura e flexibilidade, pois deles não se esperam papéis muito definidos (isso para resumir bem a história, quem quiser se aprofundar nesse assunto pode ler o livro Birth Order: What Your Position In The Familly Really Tells About Your Character (ainda sem edição em português).

A antropóloga americana Helen Fisher também tem lá sua teoria sobre os melhores encaixes entre as diversas parcerias. No livro Why Him? Why Her? (Por que ele? Por que ela?, também sem edição no Brasil), ela define o que seriam os quatro perfis básicos comportamentais dos seres humanos: exploradores (gente criativa, não conformista, otimista e corajosa), construtores (mais conservadores, confiáveis e rígidos), dirigentes (ambiciosos, persistentes, dinâmicos e estrategistas) e negociadores (éticos, flexíveis, afetuosos e generosos). Fisher afirma que esses tipos geralmente não são puros e que são constituídos aos pares: uma pessoa pode ser exploradora/negociadora, outra construtora/dirigente, e assim por diante. Conclusão fácil de adivinhar: a relação é mais fácil entre pares semelhantes. Mas relacionamentos mutuamente mais ricos e interessantes podem ser alicerçados em opostos complementares. Num relacionamento a longo prazo, por exemplo, uma negociadora/exploradora pode precisar da persistência e da firmeza de um negociador/construtor, assim como ele pode se beneficiar da ousadia, flexibilidade e criatividade de sua parceira. Além disso, segundo Helen Fisher, a troca pode ser facilitada porque eles têm uma base comum - são ambos negociadores.

Também há os terapeutas, como os antroposóficos, que se baseiam nos temperamentos definidos por Hipócrates, na Grécia Clássica (sanguíneo, colérico, melancólico e fleumático) e outros pelos seus equivalentes indianos (pitta, vata e kapha), estabelecidos pela medicina ayurvédica. Esses temperamentos, chamados de gunas, ou energias de base, também estão presentes, de certa forma, na astrologia ocidental. Eles são definidos pelos quatro elementos que dividem os 12 signos astrológicos em grupos de três (terra, fogo, ar e água). Como sempre, para os astrólogos, os pares que pertencem ao mesmo elemento têm chances maiores de formar um casal equilibrado. Portanto, há todo o tipo de combinações possíveis que podem orientar quem vai se dar melhor (ou pior) com quem. Mas a questão é: as afinidades vão mesmo definir um bom relacionamento? Ou vão torná-lo mais morno e previsível? E a pergunta que não quer calar: será que a alma gêmea existe? (por favor, não descarte essa possibilidade antes de chegar ao final do texto).


Antes do amor chegar

Idealizações excessivas podem fazer mal para quem ainda não encontrou seu par. O preciosismo dessas resistências pré-concebidas chega a ser engraçado, e até mesmo bizarro: ah, ele não é legal porque usa meia branca; ah, ela não serve porque gosta de drops de eucalipto... O ideal é não se apoiar demais numa lista de qualidades ou defeitos. Nesse terreno das preferências, muita coisa pode ser ultrapassada quando existe amor e química sexual recíprocos.

O mais comum nessa história é que o outro esteja distante de nossas expectativas - e esse golpe tem de ser assimilado. "Gosto muito de lembrar o poeta Mário Quintana, que dizia que para ser feliz com uma pessoa, você, em primeiro lugar, precisa não precisar dela. Não há necessidade do outro cobrir toda nossa lista de carências ou exigências", diz a psicanalista e psicoterapeuta paulista Irene Cardotti. "Acho mais importante a pessoaperguntar para si mesma: o que tenho a oferecer para o meu parceiro? E aplicar a energia em se conhecer, cuidar e sobretudo gostar mais de si, sem pensar exclusivamente em exigir ou em agradar alguém", diz ela. "Além de começar a apreciar quem você é, também é aconselhável aprender a gostar de quem gosta de você. Muitos relacionamentos patológicos podem começar com uma pessoa querendo manipular a outra para forçá-la a amar.

Isso não é bom, nem para o manipulador, nem para o manipulado", conta Irene. Dessa maneira, a expressão de um encantamento natural transforma-se apenas em sedução e tentativa de controle, um jogo doloroso. É mais sábio se preparar melhor para o encontro amoroso do que entrar nessa disputa frenética.

Outra boa ideia é se abrir para as diferenças que o outro vai trazer como algo natural. "Elas podem enriquecer e despertar outros interesses. Podemos acolher e agregar o que é diferente e nos transformar com essas novas possibilidades", afirma a terapeuta, que faz um curso sobre a construção do amor maduro. "Toda pessoa traz um pacote pronto para a relação: sua ancestralidade, sua herança familiar, seu temperamento e personalidade. Isso tudo pode ser um estímulo e um desafio, ou um grande empecilho. Amar é sempre uma escolha", diz ela.

Fazer planos juntos e não ficar apenas na contabilização dos defeitos também fortalece a relação. "É bom quando se baseia principalmente no respeito e na admiração mútuas. E não só apenas nas semelhanças", finaliza.


A construção da relação madura

Ninguém discorda até aqui que um maior número de afinidades entre o casal pode favorecer o relacionamento. Mas, como dissemos há pouco, os dois não precisam ser exatamente iguais em termos de temperamento, personalidade ou ritmo. O mais importante é que compartilhem os mesmos sonhos, que olhem na mesma direção.

Porém, e se não for assim?

Vamos nos lembrar novamente de que o amor é uma escolha. No momento em que decidimos estar ao lado de um parceiro, automaticamente vamos ter de admitir que teremos um trabalho a fazer pela frente, sobretudo interno. Não é mudar o outro que vai contar nessa história, mas sim mudar a si mesmo. "Essa conversa de príncipe ou princesa prontos não passa de um mito que prejudica demais as relações.

Acredita-se assim que nada precisa ser feito para que a harmonia seja predominante no relacionamento", diz a psicoterapeuta paulista Sandra Taiar. "A perfeição não compõe com o encontro humano. No começo pode haver um encantamento, e a ilusão da perfeição, mas é na aspereza da realidade que vai se dar o verdadeiro encontro entre dois seres que se amam. É nesse momento em que você se despe de suas fantasias para escolher uma relação mais real", diz .

Portanto, há de se arregaçar as mangas, se o relacionamento valer a pena e não for abusivo. "O amor é um caminho de autoconhecimento. Você será capaz de enxergar melhor seus limites e dificuldades, e o quanto é capaz de compreender, tolerar, ter paciência e se colocar no lugar do outro quando amar profundamente", diz Sandra. Ao enfrentar as diferenças, há um grande potencial para mudanças internas duradouras. "Não é mais querer que o outro seja quem você quer, o que é uma grande ilusão, mas se exercitar na arte de conviver com a diferença trazida pelo outro. Em vez de se queixar, se decepcionar e até se afastar do parceiro por ele não ser quem você deseja, você torna-se capaz de sair de si mesmo e dos seus limites para acolher o outro. Com esse movimento, será capaz de enxergar muito melhor a si mesmo", diz.


O que o amor quer ensinar

Vimos então que caminhamos em direção ao amor como se ele fosse uma resposta pronta para solucionar grande parte de nossos problemas. Ou como se ele fosse absolutamente necessário apenas para suportar uma existência insípida e vazia. Inconscientemente, esperamos que a pessoa certa vá chegar para colocar um The End em nossos conflitos, dificuldades e carências. "O amor de nossas vidas, a realização dos nossos sonhos. Aquela pessoa gloriosa que vai incendiar nossa alma e atiçar nossa paixão pela vida. Acordamos de manhã ao som da canção dessa promessa no rádio e adormecemos à noite com romances e filmes sobre duas pessoas desconhecidas que finalmente se encontram", escreveu a autora americana Kathy Freston no livro A PessoaCerta (Fontanar). Quem lá bem no fundinho do coração não quer ser esse protagonista dessa feliz história de amor? "Depositamos toda nossa esperança no dia em que essa será nossa história. Ansiamos por essa conexão de que ouvimos falar, com toda sua magia, seu mistério e encantamento; queremos ser iluminados e transformados simplesmente por estar na presença daquele 'único e verdadeiro amor'", diz Kathy no ínício do seu livro. Mas será que é isso mesmo? Existe esse par perfeito?

Um trecho de O Profeta, escrito por um dos poetas que mais entendeu do amor, Kahlil Gibran, recoloca de uma maneira completamente diferente a questão. "Quando o Amor te chamar, segue-o, ainda que seus caminhos sejam árduos e íngremes. E quando suas asas te envolverem, rende-te a ele, ainda que a espada escondida entre suas plumas te possa ferir. E quando ele te falar, acredita nele, ainda que sua voz possa despedaçar seus sonhos como o vento Norte devasta o jardim... Todas essas coisas o Amor te fará, para que conheças os segredos do teu coração e, com esse conhecimento, te tornes um fragmento do coração da Vida."

Aí está. Além de saber que certos pares podem, sim, facilitar o relacionamento, de que o amor é uma construção consciente a dois e que as diferenças podem ser acolhidas mais generosamente, é preciso saber incluir um terceiro aspecto desse sentimento: o seu poder de catalisar e desenvolver velozmente o lado espiritual dos parceiros. "Você não alcança o sucesso no amor simplesmente porque encontra um companheiro e fica com ele pelo resto da vida; você alcança o sucesso no amor quando ele lhe proporciona uma maneira de continuar aprendendo sobre si mesmo e sobre o mundo à sua volta, tornando-se mais conectado com a unidade de toda a vida, de modo que cada experiência que você tenha - seja ela gloriosa, triste ou frustrante - torne-se um fio na teia de sua evolução. É o modo como você navega pelas rotas do amor que confere um propósito à sua estadia na Terra", escreveu a americana Kathy Preston.

O desejo de viver um amor de uma forma densa e profunda pode instigá-lo a abrir cada vez mais o coração e, dessa maneira, levá-lo a um despertar espiritual. Isso pode ser incrível, mas também estarrecedor. "O amor o leva até ao seu limite - sua sensação de limitação - e então o empurra para ir mais além. Às vezes de uma forma delicada, gentil e generosa. Às vezes, de uma forma simplesmente enlouquecedora", afirma a autora americana. É essa abertura que pode levá-lo a outro estágio espiritual.

Isso quer dizer que toda forma de amor vale a pena, como canta Milton Nascimento na música Paula e Bebeto? De certa forma, sim. Os diversos amores, se vividos de uma forma consciente, podem nos tornar mais humanos e nos conduzir a relações mais verdadeiras. Até que, quem sabe um dia, chegue o parceiro que nos completará em mais aspectos. Talvez não exatamente por ele ser nossa alma gêmea, ou par perfeito, mas por estarmos mais preparados para amar. Seja como for, as linhas de pensamento orientais afirmam que essa relação só chegará se tivermos o merecimento cármico para isso. Se não, continuaremos a aprender com as diferenças. Segundo essa visão, aprender a amar faz parte do nosso aprendizado aqui na Terra. E estamos aqui justamente para isso.


Arthuzzi é fotógrafo e colabora em vida simples há algumas edições. Ele gosta de clicar de tudo: gente, natureza, ambientes...

Liane Alves adora escrever sobre o amor e sobre autodesenvolvimento. Ela acredita que as palavras têm poder transformador. E têm.


E quem é ela? Como podemos reconhecê-la ou saber se realmente a encontramos? Saber o que há por trás dessa busca vai ajudá-lo na construção de um relacionamento mais equilibrado

Publicado na Revista Vida Simples.

quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Você é capaz de perdoar!

Perdoar vale, sim, a pena. Sabe por quê? Porque o perdão é uma ferramenta necessária para a evolução da humanidade. No século passado, a França brigou com a Inglaterra, que lutou contra a Alemanha, que guerreou com os Estados Unidos, que bombardearam o Japão, que atacou a China, que teve rusgas com a Rússia. E nem por isso o mundo parou, graças ao perdão. As nações, se ficam isoladas, progridem mais devagar ou simplesmente não evoluem.

Entre as pessoas ocorre coisa parecida. Com o perdão, o conflito é superado e a vida continua, mais leve e melhor. Não é só uma questão de generosidade. É questão de admitir que todos erram, às vezes sem intenção, às vezes por pura fraqueza. E saber que, concedendo o perdão, você tem muito a ganhar, inclusive do ponto de vista de seu bem-estar emocional e físico.

Oferecer a outra face

Nas religiões, a ideia de perdoar é bem antiga, apareceu antes mesmo do cristianismo. "No Yom Kippur, o Dia do Perdão, a gente jejua e faz uma manifestação de remorso pelo que fizemos de errado. É o dia mais importante do calendário judeu, porque é impossível viver sem perdão", diz o rabino Henry Sobel, presidente do rabinato da Congregação Israelita Paulista.

No catolicismo, que herdou parte da doutrina judaica, o perdão está em uma das principais orações repetidas pelos fiéis, o pai-nosso. Mesmo assim, é mais comum encontrar um católico pedindo perdão a Deus do que oferecendo perdão a um vizinho briguento. Os cristãos ensinam que, para quem pede perdão, é indispensável o arrependimento sincero. Nas religiões orientais, como o budismo, o perdão é mais humanizado, porque as fraquezas humanas são consideradas parte do jogo. Assim, perdoar outra pessoa também é uma forma de admitir e assimilar nossos próprios erros.

Na prática, seguir a ética das religiões não é tão fácil assim. "A gratidão e o perdão são sentimentos de pessoas muito nobres, que estão dispostas a compreender o outro", diz o psiquiatra Wimer Bottura Junior, diretor científico da Associação Brasileira de Medicina Psicossomática.  Aprender a perdoar está na lista das tarefas complicadas, que exigem dedicação, mas que trazem aquele gostinho especial das empreitadas difíceis: leveza de espírito, alívio, paz e até benefícios para a saúde.

Ira inicial

É normal sentir raiva, esse sentimento feio que tentamos esconder sempre que dá. Desabafe, grite, chore e conte para alguém de confiança, o motivo da sua raiva. Fingir que nada aconteceu e guardar a ira só para você não ajuda em nada.

Em um segundo momento, é hora de relembrar a história e tentar entender o que aconteceu. É bom recordar os fatos sem se vitimizar. "Se a pessoa precisa perdoar alguém, é porque se sentiu agredida. É preciso, então, pensar: eu fui mesmo agredido ou só me senti agredido? Porque muitas vezes as pessoas se sentem agredidas sem terem sido de fato", diz Wimer.Outra dica é dosar sua expectativa em relação aos outros.

E nada de se colocar no papel de coitadinho. "Perdoar o outro que me magoou é reconhecer em mim onde foi que eu negligenciei", diz a psicóloga Adriana Carbone. "No geral, alguma coisa eu fiz ou deixei de fazer para que o outro fizesse o que me chateou. Se eu dei confiança demais para uma pessoa e ela abusou, não é apenas porque ela é uma traíra, mas também porque eu dei espaço. Mas atenção: chamar a responsabilidade para si é diferente de se culpar. Se você olha para dentro de si, naturalmente vai enxergar uma série de limitações. A partir de uma autocrítica profunda, você aumenta sua dose de autoconsciência e vai dissolvendo seus erros", diz o monge Ricardo Gonçalves.

Ver o outro lado

Depois que já relembrou a situação e entendeu direitinho seu papel, vale a pena dedicar um tempo para refletir sobre a atitude de quem feriu você. É a velha história de se colocar no lugar do outro. E muitas vezes as pessoas que nos magoam não pedem perdão. Elas podem simplesmente nem ter se dado conta de que nos machucaram ou são simplesmente inseguras.

Mas atenção: não é o caso de se policiar e querer perdão por tudo. Nos pequenos atrasos ou deslizes cotidianos, um pedido de desculpas resolve. Sim, preste atenção na maneira como muitos de nós usam as duas expressões, com significados ligeiramente diferentes.

É bom ter em mente que, em princípio, tudo pode ser perdoado. Mas é claro que isso exige que cada um flexibilize seus limites pessoais e esqueça palavras como "nunca" ou "sempre". Para perdoar de verdade, abra mão de preconceitos. Se você não é do grupo de pessoas superflexíveis, considere o perdão um desafio e vá em frente. E, pode reparar, em matéria de perdão, quanto maior o esforço, maior o ganho.

Lições para o futuro

Extrair ensinamentos positivos daquilo que até pouco tempo atrás parecia uma tragédia é o passo seguinte. É assim que o trauma é superado: deixando de olhar o passado e usando o aprendizado para situações futuras. Isso não significa esquecer o que ocorreu, mas interpretar o fato de outra forma.

Mais uma vez, há algumas dicas para saber se no fundo, o rancor já passou. Primeiro, verifique se você ainda tem raiva ou se deseja se vingar do agressor. Se a resposta for sim, ainda que discretamente, você ainda não chegou lá. A indiferença também não resolve.

O ideal é que ambos, vítima e agressor, se considerem no mesmo patamar. A terapeuta familiar Maria Amália Faller Vitale, professora da PUC de São Paulo, ilustra a situação com uma metáfora: o agressor tem uma dívida moral com a vítima. Se a vítima nunca o perdoar, vai continuar sempre endividado, com uma conta impagável. Mas essa é uma conta diferente, pois o pagamento da dívida depende do credor, e não do endividado.

E a reconciliação?

Cabe a você decidir se quer se reconciliar com quem o feriu. "O perdão não significa que eu vá voltar a me relacionar com a pessoa. Se ela faz coisas que não me agradam, eu me afasto", diz o psicólogo Alexandre Rivero.

O teste final para saber se seu coração perdoou mesmo o agressor é, segundo a receita do psicólogo Frederic Luskin, recontar o episódio depois. Se de repente você perceber que deixou de ser a vítima e passou a ser uma espécie de protagonista da sua própria história, alguém que enfrentou a mágoa e ainda conseguiu ficar em paz consigo mesmo, você pode acreditar que encontrou o pote de ouro atrás do arco-íris.

Os benefícios não param por aí. A saúde também sorri para quem perdoa. "A falta do perdão gera mágoa e sentimentos que deixam feridas abertas dentro das pessoas. Quando falamos em perdão, falamos em fechar feridas". Um estudo publicado por Fred Luskin mostra que quem exercita o perdão fica menos nervoso, menos estressado, tem maior vitalidade física e mais confiança na sua capacidade de lidar com os problemas da vida.

Fonte: Revista Vida Simples