Você
cultiva valores e princípios éticos, está relativamente feliz no
trabalho e com você mesmo. Então, quer me explicar por que sua vida
amorosa nos últimos anos tem sido um desastre? Ou, então, por que,
depois de tanto tempo, tudo parece se encaixar milagrosamente na relação
atual? Ou, ainda, por que o que antes era bom agora está ficando ruim
ou, então, por que o que antes era ruim agora está ficando bom? Dá para
responder, medir ou avaliar e, dessa maneira, chegar a uma conclusão que
possa servir de orientação para outras pessoas? Existe uma razão, ou
várias, para que isso ocorra?
Antes de tentar responder essas
perguntas, fica aqui uma sugestão: leia com atenção o que dizem alguns
terapeutas a respeito da relação a dois. Eles têm algo muito importante a
dizer que talvez você não tenha considerado antes. Com base nesse novo
conhecimento, é possível que seu olhar para sua vida amorosa, e as
dificuldades que você tem com ela, mude completamente. Experimente ir
até o fim, e depois me diga.
Existe o par perfeito?
Se
você acha que essa conversa de par perfeito é apenas nome de site de
relacionamento, está enganado. Muitos psicólogos sérios apostam nessa
equação (bem, há psicólogos sérios que também a renegam, mas isso a
gente vai ver depois). Basicamente o que esses
experts dizem é que há
pares que têm, sim, muito mais predisposição para darem certo. Para
afirmar isso sem margem de dúvida, eles se fundamentam em pesquisas
feitas durante anos com um número expressivo de pessoas, como a
antropóloga americana Helen Fisher, que reuniu 40 mil voluntários para
fazer seus estudos. Outros carregam especializações de reconhecimento
inegável, como licenciaturas em Harvard, como a psicóloga americana
Linda Blair.
Os estudos desses profissionais partem de critérios
às vezes estranhos ou inesperados. Por exemplo, a especialista Linda
Blair afirma que a ordem de nascimento na família (isto é, o fato de ser
o filho ou filha mais velho, do meio ou caçula) influi drasticamente
numa relação a dois. Isso mesmo. Para ela, algo que pode passar batido
durante uma vida inteira pode ser fator de importância crucial numa
parceria amorosa... Mas olhando com cuidado sua proposta,
antropologicamente, pelo menos, ela não parece ser descabida. Segundo a
pesquisadora, filhos mais velhos tendem a ser mais responsáveis porque
neles são depositadas muitas das esperanças da família (que eles
procuram corresponder, inclusive). E justamente porque é depositada
muita confiança neles, esses homens e mulheres terão a tendência de se
tornarem mais confiantes, bem-sucedidos e assertivos, embora sempre
carreguem uma incrível necessidade de aprovação. Por outro lado, os
irmãos que nascerão a seguir poderão se tornar mais competitivos e,
talvez, mais individualistas e independentes. Agora, coloque dois filhos
mais velhos juntos numa relação amorosa... Eles poderão começar a
competir entre si pelo que deve ou não ser feito em primeiro lugar
(escala de prioridades) ou como as coisas devem ser conduzidas (modos de
gerenciamento). Essa condição pode ser agravada pelo temperamento de
cada um. Se os dois forem impulsivos e agressivos, por exemplo, é
plausível esperar por muitos conflitos. Porém, a união pode se tornar
proveitosa e rica se ambos tiverem um espírito mais conciliador e forem
capazes de aprender um com o outro.
Ainda de acordo com esse
estudo, as pressões da família já serão bem menores com relação ao filho
(ou filhos) do meio, que tendem a ser mais relaxados, não convencionais
e socialmente simpáticos (embora eles tenham a necessidade de chamar a
atenção), e são quase nulas com relação ao caçula, que tende a ser mais
poupado, mimado e dependente (um pouco como o filho único). Coloque
agora dois caçulas juntos como marido e mulher, e será possível assistir
a um eterno jogo de empurra-empurra de responsabilidades. Portanto, de
acordo com as conclusões de Blair, filhos mais velhos tendem a se dar
melhor com caçulas (e vice-versa), pois são complementares nos seus
anseios, e filhos do meio terão melhores chances de se dar bem com
todos, porque têm mais abertura e flexibilidade, pois deles não se
esperam papéis muito definidos (isso para resumir bem a história, quem
quiser se aprofundar nesse assunto pode ler o livro Birth Order: What
Your Position In The Familly Really Tells About Your Character (ainda
sem edição em português).
A antropóloga americana Helen Fisher
também tem lá sua teoria sobre os melhores encaixes entre as diversas
parcerias. No livro Why Him? Why Her? (Por que ele? Por que ela?, também
sem edição no Brasil), ela define o que seriam os quatro perfis básicos
comportamentais dos seres humanos: exploradores (gente criativa, não
conformista, otimista e corajosa), construtores (mais conservadores,
confiáveis e rígidos), dirigentes (ambiciosos, persistentes, dinâmicos e
estrategistas) e negociadores (éticos, flexíveis, afetuosos e
generosos). Fisher afirma que esses tipos geralmente não são puros e que
são constituídos aos pares: uma pessoa pode ser
exploradora/negociadora, outra construtora/dirigente, e assim por
diante. Conclusão fácil de adivinhar: a relação é mais fácil entre pares
semelhantes. Mas relacionamentos mutuamente mais ricos e interessantes
podem ser alicerçados em opostos complementares. Num relacionamento a
longo prazo, por exemplo, uma negociadora/exploradora pode precisar da
persistência e da firmeza de um negociador/construtor, assim como ele
pode se beneficiar da ousadia, flexibilidade e criatividade de sua
parceira. Além disso, segundo Helen Fisher, a troca pode ser facilitada
porque eles têm uma base comum - são ambos negociadores.
Também
há os terapeutas, como os antroposóficos, que se baseiam nos
temperamentos definidos por Hipócrates, na Grécia Clássica (sanguíneo,
colérico, melancólico e fleumático) e outros pelos seus equivalentes
indianos (pitta, vata e kapha), estabelecidos pela medicina ayurvédica.
Esses temperamentos, chamados de gunas, ou energias de base, também
estão presentes, de certa forma, na astrologia ocidental. Eles são
definidos pelos quatro elementos que dividem os 12 signos astrológicos
em grupos de três (terra, fogo, ar e água). Como sempre, para os
astrólogos, os pares que pertencem ao mesmo elemento têm chances maiores
de formar um casal equilibrado. Portanto, há todo o tipo de combinações
possíveis que podem orientar quem vai se dar melhor (ou pior) com quem.
Mas a questão é: as afinidades vão mesmo definir um bom relacionamento?
Ou vão torná-lo mais morno e previsível? E a pergunta que não quer
calar: será que a alma gêmea existe? (por favor, não descarte essa
possibilidade antes de chegar ao final do texto).
Antes do amor chegar
Idealizações
excessivas podem fazer mal para quem ainda não encontrou seu par. O
preciosismo dessas resistências pré-concebidas chega a ser engraçado, e
até mesmo bizarro: ah, ele não é legal porque usa meia branca; ah, ela
não serve porque gosta de drops de eucalipto... O ideal é não se apoiar
demais numa lista de qualidades ou defeitos. Nesse terreno das
preferências, muita coisa pode ser ultrapassada quando existe amor e
química sexual recíprocos.
O mais comum nessa história é que o
outro esteja distante de nossas expectativas - e esse golpe tem de ser
assimilado. "Gosto muito de lembrar o poeta Mário Quintana, que dizia
que para ser feliz com uma pessoa, você, em primeiro lugar, precisa não
precisar dela. Não há necessidade do outro cobrir toda nossa lista de
carências ou exigências", diz a psicanalista e psicoterapeuta paulista
Irene Cardotti. "Acho mais importante a pessoaperguntar para si mesma: o
que tenho a oferecer para o meu parceiro? E aplicar a energia em se
conhecer, cuidar e sobretudo gostar mais de si, sem pensar
exclusivamente em exigir ou em agradar alguém", diz ela. "Além de
começar a apreciar quem você é, também é aconselhável aprender a gostar
de quem gosta de você. Muitos relacionamentos patológicos podem começar
com uma pessoa querendo manipular a outra para forçá-la a amar.
Isso
não é bom, nem para o manipulador, nem para o manipulado", conta Irene.
Dessa maneira, a expressão de um encantamento natural transforma-se
apenas em sedução e tentativa de controle, um jogo doloroso. É mais
sábio se preparar melhor para o encontro amoroso do que entrar nessa
disputa frenética.
Outra boa ideia é se abrir para as diferenças
que o outro vai trazer como algo natural. "Elas podem enriquecer e
despertar outros interesses. Podemos acolher e agregar o que é diferente
e nos transformar com essas novas possibilidades", afirma a terapeuta,
que faz um curso sobre a construção do amor maduro. "Toda pessoa traz um
pacote pronto para a relação: sua ancestralidade, sua herança familiar,
seu temperamento e personalidade. Isso tudo pode ser um estímulo e um
desafio, ou um grande empecilho. Amar é sempre uma escolha", diz ela.
Fazer
planos juntos e não ficar apenas na contabilização dos defeitos também
fortalece a relação. "É bom quando se baseia principalmente no respeito e
na admiração mútuas. E não só apenas nas semelhanças", finaliza.
A construção da relação madura
Ninguém
discorda até aqui que um maior número de afinidades entre o casal pode
favorecer o relacionamento. Mas, como dissemos há pouco, os dois não
precisam ser exatamente iguais em termos de temperamento, personalidade
ou ritmo. O mais importante é que compartilhem os mesmos sonhos, que
olhem na mesma direção.
Porém, e se não for assim?
Vamos
nos lembrar novamente de que o amor é uma escolha. No momento em que
decidimos estar ao lado de um parceiro, automaticamente vamos ter de
admitir que teremos um trabalho a fazer pela frente, sobretudo interno.
Não é mudar o outro que vai contar nessa história, mas sim mudar a si
mesmo. "Essa conversa de príncipe ou princesa prontos não passa de um
mito que prejudica demais as relações.
Acredita-se assim que nada
precisa ser feito para que a harmonia seja predominante no
relacionamento", diz a psicoterapeuta paulista Sandra Taiar. "A
perfeição não compõe com o encontro humano. No começo pode haver um
encantamento, e a ilusão da perfeição, mas é na aspereza da realidade
que vai se dar o verdadeiro encontro entre dois seres que se amam. É
nesse momento em que você se despe de suas fantasias para escolher uma
relação mais real", diz .
Portanto, há de se arregaçar as mangas,
se o relacionamento valer a pena e não for abusivo. "O amor é um
caminho de autoconhecimento. Você será capaz de enxergar melhor seus
limites e dificuldades, e o quanto é capaz de compreender, tolerar, ter
paciência e se colocar no lugar do outro quando amar profundamente", diz
Sandra. Ao enfrentar as diferenças, há um grande potencial para
mudanças internas duradouras. "Não é mais querer que o outro seja quem
você quer, o que é uma grande ilusão, mas se exercitar na arte de
conviver com a diferença trazida pelo outro. Em vez de se queixar, se
decepcionar e até se afastar do parceiro por ele não ser quem você
deseja, você torna-se capaz de sair de si mesmo e dos seus limites para
acolher o outro. Com esse movimento, será capaz de enxergar muito melhor
a si mesmo", diz.
O que o amor quer ensinar
Vimos
então que caminhamos em direção ao amor como se ele fosse uma resposta
pronta para solucionar grande parte de nossos problemas. Ou como se ele
fosse absolutamente necessário apenas para suportar uma existência
insípida e vazia. Inconscientemente, esperamos que a pessoa certa vá
chegar para colocar um The End em nossos conflitos, dificuldades e
carências. "O amor de nossas vidas, a realização dos nossos sonhos.
Aquela pessoa gloriosa que vai incendiar nossa alma e atiçar nossa
paixão pela vida. Acordamos de manhã ao som da canção dessa promessa no
rádio e adormecemos à noite com romances e filmes sobre duas pessoas
desconhecidas que finalmente se encontram", escreveu a autora americana
Kathy Freston no livro A PessoaCerta (Fontanar). Quem lá bem no fundinho
do coração não quer ser esse protagonista dessa feliz história de amor?
"Depositamos toda nossa esperança no dia em que essa será nossa
história. Ansiamos por essa conexão de que ouvimos falar, com toda sua
magia, seu mistério e encantamento; queremos ser iluminados e
transformados simplesmente por estar na presença daquele 'único e
verdadeiro amor'", diz Kathy no ínício do seu livro. Mas será que é isso
mesmo? Existe esse par perfeito?
Um trecho de O Profeta, escrito
por um dos poetas que mais entendeu do amor, Kahlil Gibran, recoloca de
uma maneira completamente diferente a questão. "Quando o Amor te
chamar, segue-o, ainda que seus caminhos sejam árduos e íngremes. E
quando suas asas te envolverem, rende-te a ele, ainda que a espada
escondida entre suas plumas te possa ferir. E quando ele te falar,
acredita nele, ainda que sua voz possa despedaçar seus sonhos como o
vento Norte devasta o jardim... Todas essas coisas o Amor te fará, para
que conheças os segredos do teu coração e, com esse conhecimento, te
tornes um fragmento do coração da Vida."
Aí está. Além de saber
que certos pares podem, sim, facilitar o relacionamento, de que o amor é
uma construção consciente a dois e que as diferenças podem ser
acolhidas mais generosamente, é preciso saber incluir um terceiro
aspecto desse sentimento: o seu poder de catalisar e desenvolver
velozmente o lado espiritual dos parceiros. "Você não alcança o sucesso
no amor simplesmente porque encontra um companheiro e fica com ele pelo
resto da vida; você alcança o sucesso no amor quando ele lhe proporciona
uma maneira de continuar aprendendo sobre si mesmo e sobre o mundo à
sua volta, tornando-se mais conectado com a unidade de toda a vida, de
modo que cada experiência que você tenha - seja ela gloriosa, triste ou
frustrante - torne-se um fio na teia de sua evolução. É o modo como você
navega pelas rotas do amor que confere um propósito à sua estadia na
Terra", escreveu a americana Kathy Preston.
O desejo de viver um
amor de uma forma densa e profunda pode instigá-lo a abrir cada vez mais
o coração e, dessa maneira, levá-lo a um despertar espiritual. Isso
pode ser incrível, mas também estarrecedor. "O amor o leva até ao seu
limite - sua sensação de limitação - e então o empurra para ir mais
além. Às vezes de uma forma delicada, gentil e generosa. Às vezes, de
uma forma simplesmente enlouquecedora", afirma a autora americana. É
essa abertura que pode levá-lo a outro estágio espiritual.
Isso
quer dizer que toda forma de amor vale a pena, como canta Milton
Nascimento na música Paula e Bebeto? De certa forma, sim. Os diversos
amores, se vividos de uma forma consciente, podem nos tornar mais
humanos e nos conduzir a relações mais verdadeiras. Até que, quem sabe
um dia, chegue o parceiro que nos completará em mais aspectos. Talvez
não exatamente por ele ser nossa alma gêmea, ou par perfeito, mas por
estarmos mais preparados para amar. Seja como for, as linhas de
pensamento orientais afirmam que essa relação só chegará se tivermos o
merecimento cármico para isso. Se não, continuaremos a aprender com as
diferenças. Segundo essa visão, aprender a amar faz parte do nosso
aprendizado aqui na Terra. E estamos aqui justamente para isso.
Arthuzzi é fotógrafo e colabora em vida simples há algumas edições. Ele gosta de clicar de tudo: gente, natureza, ambientes...
Liane Alves adora escrever sobre o amor e sobre autodesenvolvimento. Ela acredita que as palavras têm poder transformador. E têm.