Carpinejar é um escritor que admiro muito por sua sensibilidade em
descrever sentimentos,verdades e tornar o cotidiano e até a dor em poesia.
E é assim com esta crônica... Com vocês... "Venha. por
favor", de Fabrício Carpinejar:
Eu espero alguém que
não desista de mim mesmo quando já não tem interesse.
Espero alguém que
não me torture com promessas de envelhecer comigo, que realmente envelheça
comigo.
Espero alguém que se
orgulhe do que escrevo, que me faça ser mais amigo dos meus amigos e mais irmão
dos meus irmãos.
Espero alguém que
não tenha medo do escândalo, mas tenha medo da indiferença.
Espero alguém que
ponha bilhetinhos dentro daqueles livros que vou ler até o fim.
Espero alguém que se
arrependa rápido de suas grosserias e me perdoe sem querer.
Espero alguém que me
avise que estou repetindo a roupa na semana.
Espero alguém que
nunca abandone a conversa quando não sei mais falar. Espero alguém que, nos
jantares entre os amigos, dispute comigo para contar primeiro como nos
conhecemos.
Espero alguém que
goste de dirigir para nos revezarmos em longas viagens.
Espero alguém
disposto a conferir se a porta está fechada e o café desligado, se meu rosto
está aborrecido ou esperançoso.
Espero alguém que
prove que amar não é contrato, que o amor não termina com nossos erros.
Espero alguém que
não se irrite com a minha ansiedade.
Espero alguém que
possa criar toda uma linguagem cifrada para que ninguém nos recrimine.
Espero alguém que
arrume ingressos de teatro de repente, que me sequestre ao cinema, que cheire
meu corpo suado como se ainda fosse perfume.
Espero alguém que
não largue as mãos dadas nem para coçar o rosto.
Espero alguém que me
olhe demoradamente quando estou distraído, que me telefone para narrar como foi
seu dia.
Espero alguém que
procure um espaço acolchoado em meu peito.
Espero alguém que
minta que cozinha e só diga a verdade depois que comi. Espero alguém que leia
uma notícia, veja que haverá um show de minha banda predileta, e corra para me
adiantar por e-mail.
Espero alguém que
ame meus filhos como se estivesse reencontrando minha infância e adolescência
fora de mim.
Espero alguém que
fique me chamando para dormir, que fique me chamando para despertar, que não
precise me chamar para amar.
Espero alguém com
uma vocação pela metade, uma frustração antiga, um desejo de ser algo que não
se cumpriu, uma melancolia discreta, para nunca ser prepotente.
Espero alguém que
tenha uma risada tão bonita que terei sempre vontade de ser engraçado.
Espero alguém que comente
sua dor com respeito e ouça minha dor com interesse.
Espero alguém que
prepare minha festa de aniversário em segredo e crie conspiração dos amigos
para me ajudar.
Espero alguém que
pinte o muro onde passo, que não se perturbe com o que as pessoas pensam a
nosso respeito.
Espero alguém que
vire cínico no desespero e doce na tristeza.
Espero alguém que
curta o domingo em casa, acordar tarde e andar de chinelos, e que me pergunte o
tempo antes de olhar para as janelas.
Espero alguém que me
ensine a me amar porque a separação apenas vem me ensinando a me
destruir.
Espero alguém que
tenha pressa de mim, eternidade de mim, que chegue logo, que apareça hoje, que
largue o casaco no sofá e não seja educado a ponto de estendê-lo no
cabide.
Espero encontrar uma
mulher que me torne novamente necessário.